Leitor do Congresso em Foco manda texto que reforça o conflito entre o discurso religioso e a proposta que torna crime a discriminação de homossexuais
Valter Lima*
Segundo o dicionário, “homofobia” significa aversão, ódio ou discriminação de qualquer tipo contra homossexuais. A discussão do termo que se tornou febre em todas as rodas de conversas, sejam elas de ativistas homossexuais, políticos ou religiosos, tem seu propósito em torno da possível aprovação pelo Senado do Projeto de Lei 122/06, que criminaliza a homofobia no Brasil.
Embora ainda esteja em discussão na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, sem previsão de entrar na pauta de votações do plenário, o projeto tem gerado muito polêmica entre evangélicos e líderes do movimento gay.
A proposta é resultado de uma série de ações iniciadas pelo governo federal em 2004, com o lançamento do programa “Brasil Sem Homofobia”, que estabelece uma série de ações voltadas para a proteção da cidadania e integridade dos homossexuais e o sistemático combate a homofobia.
De acordo com documento oficial da Secretaria Especial de Direitos Humanos, “o programa mostra à sociedade brasileira que, enquanto existirem cidadãos cujos direitos fundamentais não sejam respeitados em razão de discriminação por orientação sexual, raça, etnia, idade, credo religioso ou opinião política, não se poderá afirmar que a sociedade brasileira seja justa, igualitária, democrática e tolerante”. Além disso, o programa busca contribuir para a construção de uma “cultura de paz”.
Crime
Embora tramite há cinco anos, somente nos últimos dois anos o projeto ganhou notoriedade diante da provável aprovação do PL 122/06. A lei estabelece regras severas contra os indivíduos que praticarem a homofobia. O artigo 8º do projeto afirma que “impedir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude de práticas homofóbicas, incorre em crime podendo o acusado sofrer pena de reclusão de dois a cinco anos”.
Além disso, caso o homossexual sofra preconceito no ambiente de trabalho, no momento da aquisição de produtos ou em qualquer outra situação, seja a discriminação física ou verbal, ele pode denunciar o agressor, que será julgado com rigor de acordo com a lei.
A proposta, que é de autoria da ex-deputada Iara Bernadi (PT-SP), considera crime o preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. O texto foi aprovado pela Câmara em 2006 e, desde então, tramita no Senado. A atual relatora, senadora Fátima Cleide (PT-RO), afirma que o projeto estabelece o “respeito à diversidade dos seres humanos”.
O presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Trasnsgêneros (ABGLT), Toni Reis, ressalta que a lei é muito importante para a consolidação dos direitos das minorias e ressalta que “é preciso fazer um trabalho de sensibilização para o respeito à diversidade nas escolas, na mídia, nas empresas, nas polícias, enfim, na sociedade como um todo”.
Liberdade de culto
De acordo com líderes evangélicos, o projeto de lei fere a liberdade de culto ao estabelecer regras severas para aqueles que discordarem das práticas homossexuais. O deputado Robson Rodovalho (DEM-DF), líder da Igreja Sara Nossa Terra, afirma que “o problema da discriminação não atinge só os homossexuais, mas também os negros, as mulheres e até mesmo os evangélicos”. Para ele, a proposta dá “poderes ditatoriais a uma minoria”.
“Se um funcionário for dispensado de uma empresa, pode alegar homofobia e o dono da empresa vai ser preso por crime hediondo, inafiançável”. O deputado explica que os evangélicos querem um projeto que “proteja todas as minorias".
O deputado Miguel Martini (PHS-MG), que integra a frente parlamentar em defesa da família e da vida, diz que o projeto quer "calar a boca" dos cristãos contrários à homossexualidade. "Nós amamos os homossexuais, porque são nossos irmãos, mas não amamos o ‘homossexualismo'. É um grande combate que estamos enfrentando entre luz e trevas. Não aceitamos discriminação de ninguém, mas não aceitamos sermos discriminados em nossas convicções religiosas”, diz o deputado, católico.
Opinião semelhante tem o suplente de senador por Sergipe e pastor da Assembleia de Deus Virgínio de Carvalho. Para ele, o PL 122/06, limite os direitos dos evangélicos. O grande ponto discordante é o fato “dos evangélicos não poderem mais se expressar livremente”, como afirma o Pastor Batista Paulo José. Segundo ele, “os evangélicos não são contra os homossexuais, mas contra a prática do homossexualismo por reconhecer que, claramente, a Bíblia ensina que os que o praticam, sejam homens ou mulheres não herdarão o reino dos céus”.
Outra questão levantada pelo pastor Paulo José é o “favorecimento aos homossexuais”. Ele cita o artigo 9º do projeto que afirma que “para fins de interpretação e aplicação da Lei, serão observadas, sempre que mais benéficas em favor da luta antidiscriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil”. Segundo Paulo José, “o projeto é absurdo, pois todos são iguais perante a Lei”.
O advogado Paulo Medeiros Krause afirma que “o projeto é inconstitucional ao passo que viola os direitos de igualdade, livre manifestação do pensamento e a liberdade de consciência e crença”. O padre Lodi da Cruz afirma ainda que “os homossexuais terão além dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, os direitos em virtude do homossexualismo por eles praticado”.
Discriminação
Para o jornalista André Petry, a aprovação da lei só acrescenta novos pontos à lei que já está em vigor. “O Senado só fará o que a Câmara já fez: aprovar lei punindo a homofobia com prisão”. Segundo ele, a lei em vigor pune a discriminação por raça, cor, etnia, religião e procedência nacional, enquanto a nova proposta acrescenta a punição por discriminação contra homossexuais. Ele ressalta que “a História ensina que, cedo ou tarde, a lei, ou outra qualquer com objetivo similar, será aprovada, e a vida seguirá seu curso regular sem nada de extraordinário”.
O jornalista afirmou em artigo publicado na revista Veja que “os evangélicos e aliados dizem que proibir a discriminação contra gays fere a liberdade de expressão e religião. Dizem que padres e pastores, na prática de sua crença, não poderão mais criticar a homossexualidade como pecado infecto e, se o fizerem, vão parar no xadrez. É uma interpretação tão grosseira da lei que é difícil crer que seja de boa-fé”.
André chama a atenção para um ponto importante: “tal como está, a lei não proíbe a crítica. Proíbe a discriminação. Não pune a opinião. Pune a manifestação do preconceito. Uma coisa é ser contra o casamento gay, por razões de qualquer natureza. Outra coisa é humilhar os gays, apontá-los como filhos do demônio, doentes ou tarados”.
Por fim, o autor do artigo “A fé dos homofóbicos” conclui que “o que essa proposta pretende dar aos gays, e sabe-se lá se terá alguma eficácia, é aquilo a que todo ser humano tem direito: respeito à sua integridade física e moral”.
*Valter Lima é jornalista político em Aracaju (SE) e leitor do Congresso em Foco.
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